19.12.13

ninildes e o silêncio

Olha que coisa incrível: hoje me lembrei do Ninildes. E da Ninildes.
E pensei que, se consegui ter esquecido, é porque eu estava vivendo em outro lugar de mim. Lugar mais calmo, de menos palavras e de um silêncio sublime.
Não que a vida estivesse perfeita, não estava; acho apenas que encontrei outros caminhos de escape. Ou vivi caminhos inefáveis - inexpressáveis apesar de toda sua expressão.
Isso é bonito de ver.
Trecho do meu ano, em imagens, já que estou dando folga às palavras.

 


16.6.13

cuidado com o que sonha

Acordou e ali permaneceu, por alguns minutos, as mãos cobrindo a boca entreaberta. Sorrateira, arriscou-se a sair, como uma gata, deslizando pelo canto da cama. Ele estava profundamente adormecido, esparramado, suas pernas e lençóis em nó. Frente ao espelho, ela viu cabelos curtos. Unhas roídas - hábito antigo. Mudara e muito nos últimos cinco anos. Devia estar sonhando. Pesadelo. Voltou ao quarto e cutucou o celular: 2008. "Se me lembro bem, esse ano foi muito sem graça."

Ela se deitou e tentou despertar. Mas ele acordou antes. Deu um sorriso com os olhos pequenos, esmagados, como sempre fazia  - lembrava ela agora. Estava hoje casada com um cara que sempre se levanta antes, insone, inquieto; não sabia mais como era olhar para alguém dormindo. Ele a abraçou, como um urso, e perguntou, em murmúrios, que hora precisaria levantar para o aniversário de seu pai. Ela sentiu o pesar. O pai já havia falecido. Nesse mesmo ano, ou no ano seguinte, talvez. Mas é claro que ele ainda não sabia. Incapaz de perturbar aquele roteiro, respondeu, fantasiosa:  

- Às três.

Virou para o lado e apertou as pálpebras o mais forte que pôde. Contraiu o corpo todo. Já era hora de despertar. Mas não conseguia. E pensou no relatório que precisava terminar, e que há domingos não levava a Carol à praia, e que sonhar com um caso tão antigo é mesmo algo a se levar à terapia, e na custosa nostalgia de se ver como há cinco anos - sentimento de algo interno que se perde ao tempo, às errâncias da vida. 

Mas acontece que o dia se passou. E, ainda, dias se passaram. Ela estava certa de que havia enlouquecido. No início tentara seguir aquele jogo, testar a irrealidade de seu sonho, mas não conseguia voar, nem teletransportar, nem enriquecer. O namorado começou a ficar preocupado. Ela destratava a todos, irritadiça, e chegou a ficar por um fio no trabalho, depois de sucessivos desentendimentos e ausências. Checava os noticiários, procurava por evidências, tentava acertar casos e datas, parecia ter desenvolvido superstições sobre tudo o que fazia e como. Procurou por pegadas na existência de seu emprego verdadeiro, relacionamento verdadeiro, vida verdadeira. Estaria alguém vivendo em seu lugar? Estudou o que pôde a respeito de realidades oníricas, paralelas, transtornos mentais. Não sossegou.

Foi uma vez, voltando pra casa, que percebeu ter se confundido. Aquela vida não tinha sido sua. Tinha sido sonho. Um sonho pro qual - que catástrofe - não se pode retornar.

Quis tanto que enfeiou a vida.



10.6.13

psicanálise (em gotas)


'Há certa graça na repetitividade, nos clichês incansáveis que temos em nossos bolsos e que a todos podem servir -  o que nos move não é a cenoura, frente ao focinho do burro, o que nos move está atrás, a busca é pelo desejo e o desejo é pela falta, essa sim nos empurra, nos move, nos objetiva, nos encrenca.'


20.5.13

amor-instante

'Foi quando percebi você comovido? Foi aí que eu, de acordo, enterneci? Foi em alguma coisa que alguém disse? Fração de quê ou de quem? Foram passos que eu dei, dentes que escovei, vogais da minha voz? Foi essa manhã? Onde? E quem presenciou – será que percebeu? Foi a bossa nova nos ouvidos, o pouso daquele avião? Foi em um esbarrão ou entre garfadas? Foi de olhos fechados?

Qual meu álibi? Onde eu estava, que deixei isso acontecer? Onde, se não em mim mesma? Amores-instante são um clichê na minha trama - o segundo inaugural em que passo a me sentir dois.'



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Nota: Perceber-se apaixonado é bom, né? Todo dia é melhor ainda.
(Dia nenhum é um desacato)

18.2.13

#3


“Do meu riso, seu remorso. Você se desculpou por ter tolido meu humor tantas outras vezes, apático, intransigente; redimiu-se por demorar a perceber esse humor tal como o que era - alicerce do que você sentia. Talvez houvesse mesmo muita vida naqueles olhos que me acompanhavam onda à frente, onda atrás; vida que eu não paguei pra ver, meus trocados já haviam se esgotado de outrora, quando eu apostava em você e na gente quase que todo o instante, aposta manca, duvidosa, azarada. Foi de aposta irracional que vivemos por tempos e tempos, a gente teve apego, tolerância, cisma, quem é que diz que a gente não teve? Pra vestir das fantasias um do outro a gente se diminuía e se esticava. Rasgava e recompunha. Não deu; a gente morreu na praia. E saiu vivo – o que é ainda pior.”



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Nota: difícil manejar essa época bonita da minha vida com as desgraças que eu curto escrever. Sai quase na-da!
Achei o brilho e perdi a graça.

3.1.13

lar

Pessoas de amores unilaterais. Pessoas que esperam, passivas, para que seus destinos se refaçam sozinhos. Pessoas que acham que amor vem de fora. Pessoas que acham amor e jogam fora. Pessoas que traem seus parceiros – bonitos, amáveis, parceiros. Pessoas que traem a si mesmas. Pessoas rasas, geladas, mal passadas. Pessoas cruas. Pessoas que paralisam, doem. Pessoas que reclamam. Gente feia, fosca, estreita – não me serve dos joelhos para cima. Não recuo; certo esforço, até as entendo. É só que o feio não me agrada os olhos.

Gosto quando a gente entra na alma de alguém pelas pupilas. Quando aquele abraço sem sentido dá vontade de chorar. Quando palavras sem muita precisão dão força e lucidez. Prefiro pessoas que não são quem, são onde - lugar bonito de se estar.

A todas essas pessoas-lugares, por me deixarem morar arredia, espaçosa e sem pagar aluguel algum.

 Oi, 2013! :)