24.9.12

eu vou

Uma confissão: não me lembro mais. Do seu rosto, da sua risada, dos momentos. Nada. A única memória é uma hipótese que tenho, plausível e certeira, de como foram aqueles dias pra você. A lembrança é construída e é a única que me resta. Você chegando em casa, desmoralizado, meu sorriso pelas paredes, o desenho na tela de seu computador, a 3x4 na carteira, os presentes, o cheiro no travesseiro, tudo que já foi escrito, tudo que já foi dito - minha voz, espaçosa, martelando seus ouvidos assim, de dentro pra fora. A solidão pela manhã, que não passa, que persiste, que partilha do teu almoço, do teu jantar, que piora no banho, que escapa pelos olhos. Vira rotina lamentar, antes de dormir e depois de acordar, as possibilidades, os erros e a culpa, tem culpa?, a culpa é de quem?. Vira rotina comer menos, falar menos, romper com o mundo. Aí vêm outras mulheres, mas falta. Vêm novos caminhos, e falta. Vem a vida te arrastar ao sossego, e você nega. E depois de tanta falta e negação, vem a sorte te trazer outro sorriso pra ocupar suas paredes. Isso não está na minha lembrança construída, mas provavelmente está nos seus planos. E, veja bem, eu quero que esteja. 

Minha importância foi a de partir. Sem o partir, você seria só erro sem culpa. Penso que posso ter feito grande papel no teu crescimento, no teu aprendizado, ao dar o soco que ninguém nunca te deu. Essa culpa vai te mobilizar, como o meu sofrimento me empurrou para algo maior e melhor. Eu espero que você tenha se utilizado bem da nossa história, como eu me utilizei. Aprendi, aprendi, aprendi. Acertei de namoro, errei de namorado. Para mim, foi uma página; pra você, um livro inteiro. Leia-o. Sangre os olhos nessas páginas. O meu olhar é para frente, coração aberto, tranquilidade no rosto que não se vê desde o nosso antes. Eu já estou no caminho certo. Eu sempre estive.

Que você encontre o seu.